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6 de jul. de 2010

Entre três paredes e uma janela

Wlisses Guimarães Souza
Maceió
05 de julho de 2010


Só um imenso portão resiste em nos separar, vã tentativa: subo a rampa de pedras cúbicas, no breve caminho: um tamanduá entalhado, um cachorro voador, na enorme parede, incontáveis ganchos enferrujados no passado em que se ouvia a sinfonia ensurdecedora de passarinhos.
Meu guia é seu riso eufórico e o som das cordas desafinadas. Você finalmente mais perto, instrumento afinado, o primeiro “ré menor” é calor fundindo mulher e violão, perfazendo um conjunto indivisível.
Já é final de tarde, o cheirinho de comida caseira ao fogão e a inesperada erupção do nato leite prevêem o jantar. Em outro cômodo, as inusitadas histórias de uma família de espírito entregue a arte e a cultura renascem como espetáculo pelo timbre e face da filha saudosista. Em cada visível entusiasmo invejo não ter sido personagem desse passado em tons pastéis.
O escuro azul da noite chegou rapidamente, lá fora, o mundo dorme, e tudo enfim silencia aqui dentro. Ela está no banho, eu por sobre o colchão envolto ao lençol branco recém-lavado. Na biblioteca dessa casa antiga, sou ilha, cercado de livros por quase todos os lados. A grande janela é o único quadro vitrificado desse mundo fatigante.
Ela ainda está lá: frio corpo nu, água, pele, aroma e textura em completa fluidez. O tempo eterniza a espera e toda essa inércia aos poucos trás consigo o sono merecido.
Devagarzinho ela se faz presente, vaporizando no sereno do ar um delicado perfume cítrico, e o silêncio é brevemente interrompido pelo ranger da porta separando dois mundos: o nosso e um outro insignificante.
E assim, nossa história vai se inserindo como única, entre tantas guardadas na imensa estante. Foi ali que nos casamos, ali meu amor, tendo como testemunhas: Shakespeare, Drummond, Jorge Amado, Neruda, Tolstói ...

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